"A medida do amor é amar sem medida." Victor Hugo


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Um sentimento que muitos já tentaram descrever, mas que nunca se chegou a um senso do que vem a ser. Muitos foram os que ousaram dizer que amavam, outros, por outro lado, preferem não falar por medo. E há ainda quem esperou bastante para dizer a alguém especial (seja qual for o tipo de amor). Particularmente, creio que só se deva dizer eu te amo, se verdadeiramente você ama a pessoa para quem pronuncia estas palavras. Afinal, é difícil ter certeza de que o sentimento por uma pessoa que conhece há pouco é amor— embora não seja impossível.

Diferente da paixão, que vem e passa, o amar acaba nos levando ao encontro definitivo com o outro. Outra peculiaridade do amor é justamente, o que diz Benjamin Constant“Todo sentimento precisa de um passado pra existir. O amor não, ele cria como por encanto um passado que nos cerca. Ele nos dá a consciência de havermos vivido anos a fio com alguém que a pouco era quase um estranho. Ele supre a falta de lembranças por uma espécie de mágica..."
Amor, ao meu ver, é entrega. E por isso o apóstolo Paulo acaba dizendo em 1Cor 13,7:  “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”  Foi assim que Jesus Cristo fez por cada um de nós: se entregou. Do mesmo modo, em nossos relacionamentos amorosos, é preciso ter a entrega para que o amor possa, de fato, florescer e dar frutos. Uma vez que não fazemos o sacrifício pelo outro, estamos arriscando perdê-lo e a chance de ser feliz verdadeiramente. Em sua primeira Encíclica, Deus Caritas Est, o Papa Bento XVI diz que “entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade — uma realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência. E o segundo é que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estrada da renúncia.

Costumo falar que amor só não basta, é preciso mais que isso. Afinal, quantos casais que se amam não acabaram separados? São vários os desencontros dessa vida, como dizia Vinícius de Moraes, e para evitar que o ser amado se aparte de nós, é preciso amar sem medidas. Para Renato Russo, amar é uma necessidade: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar na verdade não há.”

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Por fim, e não menos importante, amar é querer que o outro seja feliz. Querer a sua própria felicidade não é amor. Não se casa para ser feliz, casamos para fazer o outro feliz. E, do mesmo modo, temos de tomar cuidado para não achar que possessão é amor. Ninguém é posse de ninguém. Estar juntos, embora o amor dê a impressão de pertença ao outro, não é ter poder sobre o outro. 

Gostaria de deixar parte de “Os três mal-amados”, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, que traduz a profundidade de quem verdadeiramente ama, salvo das hipérboles:

Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.

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