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Um
sentimento que muitos já tentaram descrever, mas que nunca se chegou a um senso
do que vem a ser. Muitos foram os que ousaram dizer que amavam, outros, por
outro lado, preferem não falar por medo. E há ainda quem esperou bastante para
dizer a alguém especial (seja qual for o tipo de amor). Particularmente, creio
que só se deva dizer eu te amo, se verdadeiramente você ama a pessoa para quem
pronuncia estas palavras. Afinal, é difícil ter certeza de que o sentimento por
uma pessoa que conhece há pouco é amor— embora não seja impossível.
Diferente
da paixão, que vem e passa, o amar acaba nos levando ao encontro definitivo com
o outro. Outra peculiaridade do amor é justamente, o que diz Benjamin Constant: “Todo sentimento
precisa de um passado pra existir. O amor não, ele cria como por encanto um
passado que nos cerca. Ele nos dá a consciência de havermos vivido anos a fio
com alguém que a pouco era quase um estranho. Ele supre a falta de lembranças
por uma espécie de mágica..."
Amor, ao
meu ver, é entrega. E por isso o apóstolo Paulo acaba dizendo em 1Cor 13,7:
“Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” Foi assim
que Jesus Cristo fez por cada um de nós: se entregou. Do mesmo modo, em nossos
relacionamentos amorosos, é preciso ter a entrega para que o amor possa, de
fato, florescer e dar frutos. Uma vez que não fazemos o sacrifício pelo outro,
estamos arriscando perdê-lo e a chance de ser feliz verdadeiramente. Em sua
primeira Encíclica, Deus Caritas Est,
o Papa Bento XVI diz que “entre o amor e o Divino existe qualquer
relação: o amor promete infinito, eternidade — uma realidade maior e totalmente
diferente do dia-a-dia da nossa existência. E o segundo é que o caminho para
tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São
necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estrada da
renúncia.”
Costumo
falar que amor só não basta, é preciso mais que isso. Afinal, quantos casais que
se amam não acabaram separados? São vários os desencontros dessa vida, como
dizia Vinícius de Moraes, e para evitar que o ser amado se aparte de nós, é
preciso amar sem medidas. Para Renato Russo, amar é uma necessidade: “É preciso amar as pessoas como se não
houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar na verdade não há.”
http://aprendizonline.wordpress.com/2011/11/06/junto-ha-72-anos
-casal-americano-morre-de-maos-dadas/
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Por fim,
e não menos importante, amar é querer que o outro seja feliz. Querer a sua
própria felicidade não é amor. Não se casa para ser feliz, casamos para fazer o
outro feliz. E, do mesmo modo, temos de tomar cuidado para não achar que
possessão é amor. Ninguém é posse de ninguém. Estar juntos, embora o amor dê a
impressão de pertença ao outro, não é ter poder sobre o outro.
Gostaria
de deixar parte de “Os três mal-amados”, do poeta pernambucano João
Cabral de Melo Neto, que traduz a profundidade de quem verdadeiramente
ama, salvo das hipérboles:
Joaquim:
O amor
comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de
idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O
amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor
comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros
de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o
tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus
olhos e de meus cabelos.
O amor
comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas
aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus
exames de urina.
O amor
comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa
as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em
versos.
Faminto,
o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de
unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus
banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto
mas que parecia uma usina.
O amor
comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o
sabia, estavam cheios de água.
O amor
voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu
nome.
O amor
roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas
nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que
riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as
conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam
sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor
comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a
maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das
plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras
vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana
cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por
não saber falar delas em verso.
O amor
comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de
adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão
asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as
futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor
comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu
verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.